SILÊNCIO

05/11/2012 18:11

O SILÊNCIO DO POVO

Autor: frei Francisco van der Poel

 

                   Para muitos hoje, o conceito ‘silêncio’ logo é associado a poluição sonora que seria o seu oposto. Mas cuidado! O silêncio é um valor fundamental e não simplesmente sinônimo de ociosidade ou do vazio e sem som. Tanto que provérbio diz: falar é prata, calar é ouro.

                   No silêncio, o povo se concentra para pensar e morar num assunto ou para amar e imaginar versos, até mesmo para criar uma música.

                   O silêncio favorece a meditação dos mistérios. Nele, é possível ouvir a voz de Deus (1Rs 19,8-13; Pr 14,18). Por isso, monges e penitentes retiram-se para uma ermida ou para o deserto.

                   Antigamente, era costume manter o silêncio na sexta-feira santa e no sábado santo. Evitava-se o barulho. O costume de não tocar sinos ou campainhas neste dia ainda é observado em muitas igrejas. Hélio Damante registrou, em São Paulo: "As locomotivas não apitavam, nem se batia o ferro, para não lembrar o ruído das lanças dos soldados romanos".[1] Segundo Thereza Regina de Camargo Maia, em Paraty (RJ) na quaresma, os que haviam feito folguedos guardavam a viola em um saco. Outros violeiros distorciam as cravelhas e deixavam as cordas bambas até as festas de junho.[2] Este costume permanece entre os violeiros do sertão. Também nos congados e nos candomblés, os tambores costumam não tocar durante a quaresma.

                   Por uma questão de respeito, é tradição que, “enquanto os mais velhos falam, os mais novos permanecem em silêncio”. Por uma questão de bom senso, todo mundo presta uma especial atenção às palavras de um verdadeiro sábio. Quando ele abre a boca, os outros abrem os ouvidos e o coração e tomam tempo para interiorizar a mensagem.

                   No séc. VI, o papa São Gregório Magno aconselhava o clero: "Seja o pastor discreto no silêncio, útil na fala, para não falar o que deve calar, nem calar o que deve dizer. Pois da mesma forma que uma palavra inconsiderada arrasta ao erro, o silêncio inoportuno deixa no erro aqueles aos quais poderia instruir."[3]

                   O silêncio é próprio do esperar. Aguardamos uma visita, uma notícia, o cumprimento de promessas. Podemos esperar o futuro da nação e até o fim do mundo. É importante observar os sinais dos tempos e refletir sobre o porque da nossa breve existência.

                   Fomos longe, mas retornemos para mais próximo.

                   Concretamente, o homem simples pode querer usar poucas palavras assumindo seu pouco saber.

                   Também existe o medo de se expor - silêncio sobre sexo, política e religião – que pode ser resultado de uma história de repressão e censura. A resignação significa, às vezes, negar-se a exercer a cidadania. Pensem na lei do silêncio nas favelas. O calar-se pode ser a defesa mínima do pobre e dos vencidos: silêncio em troca da sobrevivência.

                   Quando, no dia 17 de março de 2007, o movimento "Rio de Paz" lembrou os 700 assassinatos ocorridos no Rio de Janeiro entre o dia 1o de janeiro e 15 de março, o teólogo presbiteriano Antônio Carlos Costa afirmou: "Estamos correndo o risco de a democracia deixar de ser um valor para a população. Entre o direito à liberdade e o direito à vida muita gente escolhe o segundo."

                   O silêncio pode mostrar que o pobre entende a situação, mas conscientemente passa por cima. Para que o pobre exerça o direito de dizer o que pensa, é preciso que haja condições para o diálogo. Se por um lado o povo espera calado, de outro lado realiza-se o grito dos pobres, o grito dos oprimidos.

                   De vez em quando, encontramos benzedeira que rezam muito baixinho ou de modo incompreensível. Não é difícil encontrar benzedores não querem revelar suas orações porque temem de ser denunciados à autoridade eclesiástica, policial ou sanitária. Para alguns outros, o benzimento passou a ser uma espécie de prática hermética não explicada e mantida em segredo. Segundo outros, há certas orações só podem ser ensinadas a três pessoas, especialmente as que fecham o corpo contra perigos ou inimigos. Neste caso, o motivo da não revelação está na convicção de que, se reveladas, as orações perderiam o encanto.

                   Não só as benzedeiras protegem seus misterios contra a invasão indevida (curiosidade, ridicularização). As igrejas ortodoxas costumam realizar o ritual da consagração eucarística atrás dos ícones fora da visão dos fiéis. Algumas religiões proíbem a seus membros a revelação dos rituais da iniciação e não mostram o culto públicamente na praça ou na mídia).

                   Vejam ainda as palavras prudentes de Núbia Pereira de Magalhães Gomes e Edimilson de Almeida Pereira. Peritos na interpretação da religiosidade popular, escrevem: "Sabendo que o mundo social não se deixa interpretar facilmente, buscamos as causas profundas que escapam à consciência dos indivíduos. Através do dito, procuraremos atingir o não dito, porque as opiniões e intenções declaradas dos sujeitos conduzem ao deciframento das relações e do imaginário que se lhes sobrepõe. Acreditamos que a vida social não pode ser explicada unicamente pela concepção dos que dela participam - já que há causas profundas que escapam à consciência dos falantes."[4]

 



[1] DAMANTE, Hélio. Folclore brasileiro: São Paulo. Rio de Janeiro: FUNARTE, Instituto Nacional do Folclore, 1980. p. 35.

[2] MAIA, Thereza Regina de Camargo. Paraty: religião & folclore. 2.ed. Rio de Janeiro: Arte & Cultura, 1976. p. 106.

[3] Gregório Magno. Lib. 2, 4 (Regra Pastoral). In: MIGNE, J. Patrologia Latina (PL). t.77, 30-31.

[4] GOMES, Núbia Pereira de Magalhães; PEREIRA, Edimilson de Almeida. Do presépio à balança: representações sociais da vida religiosa. Belo Horizonte: Mazza, 1995. p. 25.