OFICIAL - POPULAR: uma relação dialética.

19/02/2015 09:15


           
     A religiosidade popular é muito mais ampla e dinâmica do que a instituição religiosa católica a que pertencemos. Segundo a fé do povo, Deus, os santos e as almas estão vivos. Sem um deus vivo a religião perde o sentido. Os evangélicos se esforçam em obter a manifestação de um Deus que faz milagres e que emociona as assembléias. Eles estão procurando o Deus vivo. Esta é a razão de ser deles. O mesmo acontece com o movimento carismático. Não podemos negar que esta questão é essencial. O profeta Isaias fala em nome do Deus vivo: "Meus caminhos não são iguais a vossos caminhos. Meus pensamentos não são vossos pensamentos."

     O ateu nega a existência do Deus. O agnóstico não consegue imaginar Deus e seu mode de ser. No meu entender ambos questionam o Deus como nós o apresentamos. Nós mesmos, no dia em que pensamos conhecer Deus, podemos experimentar que Ele é muito diferente do que estávamos pensando.
Felizmente, a Bíblia não é um manual de teologia. Se assim fosse, teria sido abandonado há muito tempo. Na Sagrada Escritura achamos o relato da experiência religiosa de um povo: cânticos, histórias, provérbios, leis, alianças, profecias, organização institucional. É a forma cultural que a religião judáica e a dos primeiros cristãos tomaram, faz dois milênios. Diante do Criador, a criatura sempre é pequena e dependente. A criação, as alianças, as profecias são iniciativas de Deus. São coisas que vivemos e procuramos entender. A alma busca a Deus.

     Ultimamente, tenho me dedicado muito ao estudo das culturas bantos no Brasil. Nelas são importantes os antepassados. É deles que cada povo recebe os conhecimento dos remédios, a sabedoria dos provérbios, a educação dos filhos, o modo de resolver brigas e injustiças, a religião. Pela tradição oral, conhecem Deus (Nzambi) o modelador do barro. Esta fé recebem dos antepassados. Curiosamente, nas igrejas cristãs, a Bíblia e a memória dos santos e das almas exercem função semelhante.

     No candomblé banto, as forças da natureza chamadas inquices são a revelação divina principal. Um grande tateto (pai de santo) me disse que também os orixás da mitologia iorubá são forças da natureza, associadas a rios, montanhas, floresta e a personalidades históricas. Mas, retornando aos fiéis bantos, os inquices, estas forças criadas por Deus, são sagradas; são entendidas como entidades que têm nomes. Como espíritos puros são comparáveis a anjos.

     Na liturgia católica, o Deus criador é pouco referenciado. No cântico dos três jovens (Daniel 3,56ss), os forças da natureza e o povo de Israel são convidados para louvar ao criador. São Francisco de Assis (séc.XIII), convida os passarinhos e os peixes para louvar ao Deus da criação. No seu Cântico das Criaturas, o cósmos (sol, lua, estrelas) e os 4 elementos (água, terra, fogo e vento) todos são personificados e chamados de irmãos.

     Na realidade temos aqui os elementos necessários para as igrejas cristãs e os candomblés respeitosamente se associarem aos movimentos científicos e sociais na luta pelo meio ambiente e na preocupação pela sobrevivência da terra.

     Observando, perguntando, respeitando, busquemos sempre a religião verdadeira que não se limita a uma única instituição. Mas fica claro que inevitavelmente precisamos das instituições, seja na política, na segurança, na educação, na saúde e na religião.

     No fim do mundo, o Justo Juiz não vai perguntar a que instituição religiosa nós pertencemos. O Deus criador que ama o mundo e seu Filho encarnado, deseja saber se nós amamos, se demos água ao sedento, dançamos com os tristes, visitamos os presos... E nesta hora: "Os últimos serão os primeiros!"

                                                                              
Francisco van der Poel